(Advertência: o texto possui generalizações e uma pitada de exacerbação)
Há 12.000 anos, a Escandinávia estava coberta de geleiras. As geleiras da última glaciação esculpiram e transportaram rochas por centenas de quilômetros. Após o recuo das geleiras há 10.000 anos atrás, a região começou a receber os seus primeiros habitantes. Atualmente o clima é mais ameno, mas continua sendo muito frio nos invernos.
A formação de gelo é um fenômeno natural do clima frio, típico no inverno das regiões de altas latitudes, como a Finlândia. Os seus cerca de 60 mil lagos se cobrem com uma camada espessa de gelo, de modo que se pode até caminhar e andar de carro por cima destas. Mas não são somente os lagos que congelam - as ruas também.
O gelo é um elemento perigoso. Os carros precisam de pneus especiais de atrito ou com tachinhas de metal para se evitar derrapagens. É preciso colocar areia sobre o gelo nas ruas e calçaas para se evitar escorregamentos. Em locais de corrente, como os rios, o gelo fica fraco e pode fazer uma pessoa cair na água gelada. Apesar das providências e campanhas, todos os invernos as pessoas ganham lesões e se perde vidas na Finlândia por causa de escorregamentos e afogamentos.
O inverno prolongado deste país fez o povo que o habita, a adaptar-se aos rigores do clima. Um exemplo desta adaptação é a habilidade dos finlandeses de caminhar no gelo sem se tropeçarem constantemente. Um estrangeiro até falou que os finlandêses aprendem desde pequeno a avaliar pela temperatura, como devem andar e equilibrar-se no gelo. Este é um ato difícil para quem não está acostumado. A arte de caminhar no gelo consiste em distribuir o peso e o equilíbrio do corpo na palma do pé, concentrando-se em micro-movimentos, adaptando-se a estrutura e a superfície inferior do pé à superfície do gelo.
O exemplo da dificuldade desta arte são os brasileiros que visitam ou moram no país. Muitos não aprendem a caminhar em um terreno gelado, mesmo depois de muitos anos vividos no país. O grau de aprendizado na arte de caminhar sobre o gelo reflete também o grau de adaptação de brasileiros ao país. A adaptação à Finlândia, com a sua cultura tão diferente, é de fato difícil para muitos, mesmo aos finlandeses que moraram fora do seu país por muito tempo.
Neste artigo, o autor relata alguns fatos e experiências da Finlândia, relacionados com imigrantes brasileiros e de finlandêses que acabam de retornar ao seu país depois de vários anos vividos fora.
Finlândia
A Finlândia é um país distante do Brasil, situado na Escandinávia, extremo norte da Europa. Ou seja, no “fim do mundo”. Os seus países vizinhos são a Suécia a oeste, Noruega ao norte, Rússia a leste e Estônia ao sul.
A Finlândia faz parte dos países industrializados do primeiro mundo e é membro da União Européia. É democrático, com sistema parlamentar. O sistema social da Finlândia é de orientação social-democrata, que, juntamente com o da Suécia, é dito como entre os mais justos e igualitários existentes no mundo. É aquilo com que os bolcheviques sonhavam quando fizeram a revolução russa. De fato, o sistema social da Finlândia é um casamento bem sucedido entre o socialismo com a face humana e o capitalismo.
A Finlândia, como um país do primeiro mundo, tem uma infra-estrutura moderna e funcional. A corrupção praticamente inexiste no país, segundo levantamentos internacionais. De fato, tem sido o país com o menor índice de corrupção no mundo. Isto garante os direitos do cidadão frente às autoridades e o judiciário. O povo é disciplinado e honesto. Tem a melhor educação do mundo e é o país economicamente mais competitivo.
Apesar de serem habitantes de um país industrializado de alta tecnologia, os finlandeses são amantes da natureza, tendo uma relação peculiar com os lagos, florestas e, também, com as rochas. A coleção de rochas e minerais é um hobby popular.
¾ do país é floresta, apresar de de ser o líder mundial na produção de madeira, papel e celulose, um dos pilares da economia finlandesa. Assim, a Finlândia inventou o desenvolvimento sustentável muito antes de o termo ter sido criado. Neste momento, porém, este ramo industrial está sendo demolido e em fase de migração para países do Hemisfério Sul, como Brasil.
A rusticidade, simplicidade e o amor à natureza são fortes contrastes do povo de um país de alta tecnologia. Nos verões, os finlandeses refugiam às suas cabanas nas florestas à beira dos lagos, onde muitas vezes não têm água corrente, eletricidade e calefação. Eles refugiam das comodidades das suas casas nas cidades, que tem tudo que a vida moderna pode oferecer.
Na verdade, é muito fácil, tranqüilo e confortável de se viver na Finlândia. Se não tivesse o seu lado sombrio.
A Finlândia é também conhecido por liderar as estatísticas de suicídio, alcoolismo e depressão. Infelizmente tudo não é perfeito: não existem paraísos na face da terra.
Finlândia no imaginário dos brasileiros
Finlândia é um país distante, desconhecido para muitos brasileiros. É conhecido no mundo como o país dos mil lagos e de fato, no país existem 60.000 lagos, parte importante na paisagem finlandesa e no lazer dos finlandeses.
País do Papai Noel, os pilotos de F1 Mika Häkkinen e Mika Räikkönen e o sucesso tecnológico da Nokia são algumas das coisas lembradas por muitos. Alguns, com mais conhecimento, recordam do corredor olímpico lendário Paavo Nurmi, do arquiteto Alvar Aalto, compositor Jean Sibelius e cineasta Aki Kaurismäki. Os interessados na história da II Guerra Mundial conhecem a resistência árdua e heróica dos finlandeses contra o império Soviético. Os sistemas social, educacional e de saúde da Finlândia são admirados por alguns. Os jovens brasileiros amantes do heavy metal curtem várias bandas finlandesas como HIM, Nightwish, Children of Bodom, Sentenced, Amorphis, Apocalyptica, etc. e até querem vir ao país por causa dos seus ídolos.
Devido à pouco conhecimento em geografia, muitos brasileiros, porém, podem confundir a Finlândia com países ou regiões com nome assemelhado, como a Islândia, Nova Zelândia, Filipinas, Filadélfia e Groenlândia. Geralmente as pessoas sabem que se trata de um país de clima frio, mas surpreendentemente povoado por pingüins e ursos polares! Em relação aos pingüins, a Finlândia simplesmente trocaria de hemisfério e com ursos polares se situaria mais próximo do pólo norte do que na realidade.
Devido à uma prática ausência no noticiário internacional, o fato é que se conhece muito pouco sobre a Finlândia também no âmbito mundial. Na Finlândia não ocorrem atos de violência, como guerras, terrorismo ou protestos violentos, nem catástrofes naturais ou acidentes graves, com elevado número de mortos, que poderiam ser manchetes internacionais de noticiários. Porém, isto mudou com os massacres escolares de Jokela e Kauhajoki. Em geral, a Finlândia tem sido tão insignificante no cenário mundial, que se poderia até dizer que se a Finlândia afundasse, ninguém o notaria por uma semana.
Os brasileiros na Finlândia
Segundo informações fornecidas pela Embaixada do Brasil em Helsinki, na Finlândia existe uma população flutuante de cerca de 500 brasileiros. A flutuação se deve à quantidade variável de inter-cambistas. Uma grande parte dos brasileiros radicados na Finlândia são mulheres relativamente jovens, casadas com finlandeses. Existe também um número de profissionais, como engenheiros, que geralmente trabalham em empresas finlandesas como a Nokia. Aliás, a Nokia e as suas empresas afiliadas são a maior colônia de brasileiros na Finlândia! Também ocorre uma pequena população de estudantes universitários de graduação e pós-graduação.
A maioria dos brasileiros se concentra na região da capital, tendo um número elevado também em outras cidades menores, como a Turku, Tampere, Oulu e Jyväskylä. Existe uma associação Finlândia-Brasil e três escolas de samba e inúmeras academias de capoeira.
O grau de adaptação dos brasileiros varia bastante. As mulheres com menor grau de instrução e casadas com finlandeses, geralmente tem dificuldades de adaptacão e se sentem muito solitárias, procurando ativamente outras brasileiras com quem se relacionar.
Os finlandeses lêem muito e realmente se concentram à leitura. Esta também é um fator que causa estranheza em muitos brasileiros, pois raramente têm o hábito da leitura ativa, principalmente os de menor grau de instrução. Os finlandeses, por sua vez, é o povo que mais lê no mundo. O finlandês lê o seu jornal diário geralmente durante o café da manhã, quando este não presta para conversa, pois está mais concentrado na leitura do que no que o outro diz. A única coisa que se consegue obter como uma resposta a um comentário, é um vago grunhido.
A solidão é reclamado por muitos brasileiros na Finlândia. Esta se acentua principalmente no inverno. Os finlandeses são em geral menos emotivos e mais introspectivos e frios, tanto como amigos e como parceiros no casamento. E as brasileiras necessitam de mais atenção, romantismo e carinho por parte dos seus maridos. Os casamentos entre finlandeses e brasileiros são, por isto, muitas vezes problemáticos e conflituosos. Ocorrem muitos choques culturais e separações em conseqüência destes.
Existem muitas brasileiras, de origem humilde, que queriam voltar ao Brasil ou mudar para outro país, mas não tem como, porque estão “presas” na Finlândia. Pois mesmo recebendo salário desemprego ou dependendo de auxílio social, as suas condições de vida são, muitas vezes, melhores na Finlândia do que seriam no Brasil. Os filhos também as prendem, porque em muitos casos o pai finlandês não permite que os filhos saiam do país. Por outro lado, na volta ao Brasil, a mãe e seus filhos talvez não teriam futuro. Acabariam voltando às condições precárias e sem uma formação educacional, à profissão de empregadas.
A solidão é sentida também pelos finlandeses e isto é uma das causas da depressão, suicídios e alcoolismo. Estes fatos são também conhecidos por muitos sobre a Finlândia. Durante o inverno, o frio e a falta de luz faz com que os finlandeses se retraem e ficam mais introspectivos, preferindo ficar mais em casa do que ter uma vida social ativa.
De fato, a auto-imagem e o espírito dos finlandeses se “correspondem” com algumas propriedades do granito do embasamento cristalino: estável, antigo, duro, resistente, mas inanimado e rústico. Esta parece ser até parte da construção da identidade nacional.
A explicação para esta solidão são os laços familiares muito fracos, distantes e frios. Na sociedade finlandesa, a família não é mais o sustento físico e emocional das pessoas; esta foi substituída pelo estado, que consegue apoiar o indivíduo no plano material através da assistência social, mas jamais no plano emocional.
Dizem que a família é a peça fundamental da sociedade; é nela que esta se baseia. Isto deixou de ser verdade na Finlândia.
Com os brasileiros, procede-se o contrário; os laços familiares são fortes e necessitam de uma vida social ativa, festas e alegria. Esta entra em choque direto com a frieza finlandesa.
Outro possível problema de adaptação de brasileiros é relacionado com a disciplina. Os horários e promessas são geralmente rigorosamente cumpridos na Finlândia. A pontualidade é valorizada e muitos brasileiros tem uma certa dificuldade com isto. A honestidade também faz parte do dia-a-dia. Se a pessoa promete algo a um finlandês, ele realmente espera que o cumprirá, pois está acostumado a isto. Ao emprestar alguma coisa, o finlandês espera que aquilo será realmente devolvido, dentro do prazo.
A obediência às leis, regras e normas segue a mesma lógica. O trânsito é seguro, devido à fiscalização rigorosa, educação ao transito e obediência às leis. As estatísticas brasileiras de acidentes talvez nos evidenciam que os brasileiros podem ter alguma dificuldade para se adaptarem a estas na Finlândia.
Outro fato muito diferente ao que os brasileiros estão acostumados, é a sauna. Na sauna, todos vão nus. As famílias inteiras acostumam a ver se sem roupa, pelo menos uma vez por semana. A sauna é um ritual tradicional de fim-de-semana, que é seguida já por milênios. Por isto, os finlandeses possuem uma relação bastante natural com a nudez.
Finlandeses e o álcool
É difícil ao finlandês demonstrar sentimentos positivos, como elogiar ou agradecer o outro. Se sentem também muito constrangidos, quando elogiados. Simplesmente não estão acostumados com isto. Não faz parte da educação e do relacionamento familiar. Talvez por isto, os finlandeses tem uma baixa auto-estima e säo tímidos. Até sorrir ou mostrar contentamento é às vezes difiícil. Exemplo disto é corredor de F1, Mika Räikkönen, “o homem do gelo”, que não mostra nenhuma emocão ou felicidade quando ganha uma corrida. Só faz isto quando já bêbado. Nos filmes do diretor de cinema finlandês, Aki Kaurismäki, isto é levado ao extremo até tragicômico. O finlandês não tem coragem de mostrar felicidade ou alegria, pois pode ser que causaria inveja nos outros finlandeses e que não seria considerado “sério”.
Na verdade, muitos dos finlandeses só se abrem e são mais amistosos e comunicativos quando tomam bebida alcoólica. Porém, dizem que conquistar a amizade de um finlandês custa, mas depois de obtida, é firme e duradoura.
A bebida faz parte da cultura. Se a Finlândia é conhecido como país dos celulares, pode se acrescentar aos meios de comunicação finlandeses mais um: a bebida. O problema é que não se toma pouco, socialmente. O objetivo de tomar álcool é de “tomar porre” mesmo, beber muito e rápido. Este é um dos primeiros choques culturais sofridos pelos brasileiros na Finlândia.
Como os finlandeses são geralmente fechados e resguardam os seus sentimentos, estas podem vazar quando embriagados; tanto de modo positivo, como negativo. É comum ver grupos de finlandeses em restaurantes, até nos mais finos, primeiro a se esbaldarem em alegria e euforia, para logo depois atacarem-se uns aos outros verbalmente ou até a socos e ponta-pés. Estes vexames podem ser protagonizados tanto por homens como mulheres. Lembremos que a Finlândia é um país igualitária entre os sexos, onde a mulher também “dá porrada”.
Um colega do autor, brasileiro, estava visitando a Finlândia no fim do verão, na ocasião do Festival de Helsinki. Nesta época comemora-se a Noite das Artes de Helsinki, um evento de grandes proporções, com espetáculos e eventos culturais e de multi-mídia em diversos pontos da cidade. O mais evidente nesta noite é, porém, o fato de que se consome muito álcool, bem à maneira finlandesa, com até adeptos infantis femininas de até dez anos de idade. Estes gritam, vomitam, quebram coisas e apagam-se no meio das calçadas. É comum ver pessoas, até adultos, fazerem as suas necessidades nos cantos das calçadas e portões de edifícios, quando embriagados. A palavra “arte” toma um outro sentido no festival, se tornando um tanto “performática e pós-moderna”.
Ao ter saído para um passeio após o jantar, o meu colega brasileiro viu o estado das coisas na cidade. No outro dia ele me perguntou “o que foi aconteceu ontem em Helsinki?”. Foi de certo modo difícil explicar-lhe que se tratava de um evento cultural...
Os picos de consumo de álcool e suas conseqüências são espalhados ao longo do ano e coincidem com datas festivas, como o Pikkujoulu (“Pequeno ou Pré-Natal”), Reveillón, a véspera de Primeiro de Maio e São João. Todas as sextas-feiras são, evidentemente, também motivos para se “encher a cara”. Mas é nas datas comemorativas que a "cultura" finlandesa chega ao seu auge, com todas as suas manifestações mais típicas. O São João, comemorado no verão finlandês, é um espetáculo à parte. O São João coincide com a antiga festa bárbara da fertilidade e é o dia mais longo do hemisfério norte, a noite do “sol da meia-noite”. Nesta data, os finlandeses deixam as cidades e se refugiam para o campo, onde tem cabanas à beira de lagos. Carregam consigo litros de bebida, além de comidas típicas de verão, como a “makkara” (a salsicha), o ingrediente do "churrasco" mais importante dos finlandeses. Como a vida na Finlândia é apressada (na opinião de finlandeses) e a família não se vê muito e também não conversa muito durante a maior parte do tempo, então na cabana mais apertada e sem muitas comodidades, a família é obrigada a conviver e se comunicar mais. Esta convivência forçada parece ser algo tremendamente insuportável aos finlandeses. Durante o verão e especialmente no São João, se vê no noticiário e na vida real, verdadeiros exemplos de tragédia finlandesa: brigas familiares, onde esposas e maridos são espancados, esfaqueados ou lesados com machados, pessoas em coma alcoólica, brigas, afogamentos de adultos e crianças, acidentes de carro, etc. A loucura toma conta da sociedade finlandesa. Tudo por conta do excesso de álcool, do calorzinho tímido do verão e sol em abundância. A mais comum ocorrência trágica em São João é um homem bêbado, de meia-idade, se afogar. O fato peculiar é que os afogados são sempre encontrados com o fechiclé da calça aberta. Não se sabe a razão para isto. A Finlândia high-tech se afunda na barbárie.
Os finlandeses se gabam da sua eficiência. Mas os brasileiros são muito mais eficientes nas festas. O brasileiro junta as várias datas festivas do ano, comparáveis aos dos finlandeses e comemoram estes em um bloco de quatro dias, de uma vez só, em melhor estilo e com aspectos comparáveis aos dos finlandeses, recheado, porém, com samba, alegria e mulatas - no carnaval.
Violência na Finlândia
A Finlândia é um país aparentemente pacato, tranqüilo, pacífico. Pode se andar nas ruas relativamente em paz, sem ser molestado ou assaltado. No entanto, é o país mais violento da Europa em número de assassinatos.
A pesar de os finlandeses serem quietos e aparentemente calmos, os seus sentimentos negativos são facilmente demonstrados. Explodem com muita facilidade. Assim, brigas e discussões são comuns. Neste sentido, os finlandeses são temperamentais, a pesar de não reconhecerem isto. Para eles, os latinos é que o são.
A violência na Finlândia é doméstica, se concentra entre quatro paredes, na família ou entre amigos. O álcool está geralmente envolvido. O maior número das ocorrências policiais é para apartar brigas de família. É muito comum também um grupo de amigos, geralmente de alcoolatras, começarem a brigar entre si. O fato curioso é que nestes atos de violência geralmente não se usa p.ex. armas de fogo, mas sim, instrumentos bem tradicionalmente finlandeses, como machados e facas. Nestas “festas” é também comum pessoas “caírem” do parapeito da sacada de prédios.
Tenho dito aos brasileiros, que visitam a Finlândia e que naturalmente estão preocupados com a violência e criminalidade que vêem todos os dias no Brasil, que não se precisa preocupar com a violência ou criminalidade na Finlândia, a não ser quando estão em família ou quando se reúnem com amigos... Lugares a serem evitados são os nakkikioski (grills noturnos de rua) e filas de táxis na madrugada. A queda da taxa de álcool e açúcar no sangue e o fechamento obrigatório do bares e boates às quatro da manhã causam acessos de agressividade nos finlandeses, independendo de sexo.
Preconceitos brasileiros na Finlândia
Muitas vezes os brasileiros não conseguem entender porque outras culturas tem condutas diferentes, sem que isto signifique ser homossexual, louco ou prostituta. Isto é reforçada, quanto mais baixo for o nível de instrução, mas até pessoas instruídas são cometidos de xenofobia de vez em quando.
A aceitação provinciana de imagens e certezas preconcebidas sobre outros povos se deve, em parte, ao fato de que cultural e psicologicamente é muito mais fácil sustentar um preconceito do que demoli-lo. Freqüentemente brasileiros caem em armadilhas conceituais deste tipo na Europa. A alguns é um choque ver condutas ou atitudes que são comuns na Finlândia, por exemplo, mas completamente novos e estranhos a eles. Lamentavelmente, muitas vezes estes recorrem às velhas fórmulas aos quais estão habituados, para conceituá-los em primeiro momento. Assim, podem pensar que um finlandês é p.ex. homossexual, porque usa uma roupa cor de rosa, ou tem gestos ou atitudes diferentes dos aceitos para homem brasileiro. É a única explicapacão plausível que lhe vem à mente em primeira instância. Porém, felizmente logo notam que viajar “abre os olhos”. Entretanto, tampouco o contato com outras culturas garante, por si só, que o preconceito vá ser demolido. Pode ser até reforçado, se não houver a disposição de colocar em cheque os próprios valores.
A esse respeito, refere-se a um trecho da música do Cazuza, “O Tempo não pára”:
“Tua piscina ‘tá cheia de ratos,
tuas idéias não correspondem aos fatos”
Brasileiros que viajam ao exterior, geralmente fazem parte da classe mais privilegiada. Porém, apesar do seu nível de instrução, a elite muitas vezes parece que nada aprende nestas viagens. A distribuição de renda, respeito ao cidadão e aos direitos humanos, falta de corrupção, educação gratuita de boa qualidade para todos, proteção ao meio ambiente, simplicidade, etc., seriam valores, cujo aprendizado e aplicacão no Brasil fariam bem à elite brasileira também.
Uma intercambista brasileira disse em uma entrevista na revista NYT, um suplemento de fim-de-semana da maior jornal da Finlândia, que uma das razões do porque adora Finlândia, é por que aqui ela pode andar tranqüila com o seu cabelo verde, que ninguem liga para isto.
Brasil no imaginário dos finlandêses
A pesar de Finlândia ter a melhor educação do mundo, segundo o levantamento comparativo da ONU, os finlandeses podem ter uma imagem distorcida de outros países. Um exemplo disto é Brasil.
Quando fui para Brasil em 1979, com 16 anos, imaginava que o Brasil todo era selva Amazônica, povoada por ribeirinhos, índios e jacarés. Não entendia, de que maneira estes conseguiram construir cidades como São Paulo e Rio de Janeiro lá no meio da selva. Pensava, que a todo tempo tinha carnaval ocorrendo no Rio de Janeiro e que as pessoas só jogavam futebol e ficavam na praia, quando não estavam envolvidos em crimes. É claro que com uma ponta de exagero, mas esta corresponde mais ou menos à imagem que os finlandêses tem do Brasil - ainda hoje (vide
http://www.kepa.fi/kumppani/arkisto/2006_11/5399).
Porque isto? Os filmes de Hollywood e documentários sobre a natureza e problemas sociais transmitem uma imagem muito distorcida sobre o país. Por isto, os brasileiros tem muito trabalho em convencer os finlandeses, que não moram em árvores e que o país possui indústria e alta tecnologia. Infelizmente para alguns brasileiros este “convertimento” vira uma obsessão, que beira até o ridículo. Querem que o Brasil fosse somente a "Bélgica", esquecendo-se da "Índia" (Belíndia). Os representantes da direita também não gostam que se critique ou discute os problemas do Brasil. Para estes, “os problemas não existem, ou são problemas de pessoas que merecem, como os pobres”. De preferência fecham os olhos e negam que estes problemas existem no Brasil.
Por outro lado, se programas e noticiários não falassem de problemas brasileiros aqui, como desmatamento da Amazônia ou violações de direitos humanos, o governo brasileiro não sofreria tanta pressão vinda de fora para consertar estas mazelas. Os ativistas europeus, incluindo finlandeses, são uma das maiores forças da atualidade na luta contra estas injustiças no Brasil. As ONGs finlandeses dão apoio a movimento sociais e ambientais no Brasil, como a MST e CNS.
Porém, geralmente os finlandeses se surpreendem positivamente, quando visitam o Brasil. Muitos dos seus preconceitos são demolidos.
Por fim
Visto acima, aprender a “caminhar no gelo” não é uma tarefa muito fácil e pode se levar anos até conseguir fazê-la sem se machucar. Porém, muitos brasileiros desistem e retornam ao Brasil ou mudam para um outro país. Mas tem pessoas que lutam e conquistam o seu lugar na Finlândia e se adaptam. Aprendem a caminhar sobre o gelo, no fim-do-mundo.
Toni Eerola
O autor é geólogo e tradutor juramentado (finlandês-português-finlandês) e intérprete. Nasceu na Finlândia e foi ao Brasil com 16 anos. Morou no Brasil de 1979 a 1992 e de 2001 a 2006. Mora agora em Espoo, Finlândia com a esposa brasileira e dois filhos.