Nov 18, 2009

Savana em chamas! Queimadas em Mocambique

Toni Eerola

Colunas de fumaça sobem ao céu no horizonte. Fogo se alastra nas florestas e às margens das estradas. Círculos de fogo iluminam as montanhas de noite. Toras e tocos enegrecidos restam em campos de florestas queimadas. As queimadas são cotidianas no interior de Moçambique. Devido à fumaça, o pôr-do-sol na África é tão bonito.

A flora de Moçambique é rica. Cerca de 6000 espécies são encontradas lá, dos quais 177 são endêmicos e não ocorrem em nenhum outro lugar do planeta. A flora é predominantemente composta de savana arbustiva, semi-árida (acácia) e savana florestal, mais úmida (savanas de enchentes do tipo miombo e mopane). As savanas sofrem um período seco anual, que varia de alguns mêses a até 9-10 mêses, causando grande variação na pluviosidade. Muitos rios secam totalmente.

O fogo é parte importante do ecossistema da savana. As queimadas tem a sua maior importância na savanas úmidas, onde modificam consideravelmente a cobertura vegetal. Quanto mais a savana florestal queimar, mais pastagens se formam, impedindo o surgimento de novas árvores. A recuperação de um ambiente queimado dura aproximadamente de 10 a 15 anos.

O crescimento populacional e a consequente prática de queimadas, extração de madeira, produção de carvão vegetal, coleta de lenha e o uso do fogo na caça tem diminuído a biodiversidade de Moçambique já durante milhares de anos. Avalia-se que a biodiversidade vegetal, especialmente arbustiva, tem sofrido disto e que somente as espécies resistentes ao fogo tenham prosperado. As queimadas podem ter influenciado também o clima da região, aumentando a duração e a intensidade das secas. Calcula-se que aproximadamente 150.000 há de floresta desaparecem anualmente em Moçambique.

Porém, as organizações ambientalistas e as ONGs se silenciam diante desta catástrofe. A situação da Amazônia é alardeada, apesar de as florestas serem destruídas também na África. Entretanto, a situação de Moçambique é diferente, quando comparado à da Amazônia: apesar de ambos terem um período anual de estiagem, Moçambique possui um clima semi-arido de savana, onde a seca dura mais tempo a cada ano. Assim, as queimadas podem ter conseqüências piores e mais duradouros.

A causa deste silêncio pode ser, entre outros, o fato de a queimada na África ser praticada por pequenos agricultores negros. “Pequeno” é bonito e acusar negros pode ser politicamente incorreto. A Amazônia tem também um exotismo mítico-romântico, o que faz dela de todos os modos mais interessante. A Amazônia é considerada como o “pulmão do mundo”, que absorve dióxido de carbono de maneira eficaz. A capacidade de absorção das savanas não tão grande, porque a biomassa é menor. Porém, o resultado é o mesmo; o solo é pobre, que dura três colheitas, após a qual, deve se queimar mais floresta. Conforme recentes pesquisas californianas, o desaparecimento de cobertura vegetal diminui a absorção da água no solo, aumentando o escoamento superficial e erosão, causando deslizamentos e enxurradas durante o período de chuvas, principalmente nas áreas montanhosas. Assim, em vez de os agricultores prosperarem, eles empobrecem. O fenômeno é conhecido na Amazônia.

As queimadas são descontroladas em Moçambique. Marcas de queimadas são encontradas também em áreas que não podem ser cultivadas, como declives de montanhas e terrenos pedregosos e ricos em sílica.

O fogo é a ferramenta do caçador no interior do país. Com ele, os animais são encurraladas às encostas das montanhas a locais, onde podem ser facilmente abatidos. Porém, as queimadas podem afastar os animais selvagens, que são vitais aos povoados dependentes de caça.

”As pessoas não se preocupam com o controle das queimadas e o fogo pode se alastrar a áreas extensas na floresta seca”, contou um local no documentário “Queimadas descontroladas”, dirigido por Chico Pinheiro.

As queimadas começam geralmente em agosto, durante o período de estiagem. Tudo é seco nesta época. Queima-se áreas extensas para o cultivo de milho, algodão e fumo. Isto aumenta a desolação da paisagem seca. Para o final do ano, as temperaturas aumentam e a seca piora. No final da estiagem, as queimadas afetam de maneira mais severa as plantas novas, porque há acúmulo de material vegetal seco e a casca e as folhas e flores hibernadas são mais sensíveis ao fogo. Somente em Dezembro começa o período de chuvas.

De acordo com recentes pesquisas australianas, as queimadas podem afetar também as condições climáticas regionais. Elas podem diminuir a quantidade de chuvas, acarretando mais seca. Se a vegetação diminuir, a transpiração regular das plantas diminui, o que, por sua vez, diminui a pluviosidade. As pancadas ocasionais de chuva escorrem rapidamente às drenagens e ao mar, quando os impactos de pingos de chuva endurecem o solo, impedindo assim, a geração de solos férteis. Queimadas sistemáticas em áreas que sofrem estiagens regulares são desastrosas, porque o solo destas já é pobre em nutrientes. Somente poucas plantas suportam este tipo de agressão.

Em várias províncias, a estiagem e o abaixamento do lençol freático tem causado freqüente falta d’água e fome. Pode se imaginar, o que causará o possível aquecimento global.

Do ponto de vista de um geólogo, a pior característica do terreno moçambicano são os arbustos espinhosos, que ocorrem em savanas, que foram queimadas várias vezes. Porém, as áreas queimadas tem também facilitado a caminhada e a visualização de afloramentos de rochas pelos geólogos. Após o trabalho em uma área destas, o geólogo geralmente está preto de fuligem. As queimadas também são perigosas para quem anda no campo devido ao fogo descontrolado e a fumaça.

Da floresta ao carvão e ao aquecimento global

Na preparação da comida, os moçambicanos usam geralmente lenha e carvão vegetal. Apesar de o país produzir eletricidade e gás natural, estes não são acessíveis em todos os lugares país. O uso de fogões elétricos e à gás são também demasiadmente caros para muitos. Assim, o carvão vegetal é queimada também nas cidades, o que aumenta a poluição atmosférica, já carregada de gases de escape dos automóveis.

O carvão vegetal é produzida derrubando floresta e queimando toras em grandes estufas de pedra. Para muitos, este é a único meio de vida no interior de muitas regiões do país, quando a terra não fornece sustento. Porém, os produtores não ganham muito pelo seu trabalho. Quem lucram, são os transportadores e comerciantes. O carvão vegetal é vendido em grandes sacos ao longo das estradas, quando o seu preço é cerca de 6 Reais. Nas cidades, o preço do saco pode ser até 21 Reais. Os produtores de carvão não são conscientes pelo dano que estão causando e do perigo da floresta desaparecer da região no futuro. A sobrevivência é mais importante. O círculo vicioso está instalado.

A região de Goi-Goi, na Província de Manica, próximo á fronteira de Zimbabwe, onde se ergue a cadeia de montanha Sitatonga, é uma exceção. A floresta é luxuriante e pouco queimada, apesar de a região ser povoada. Os chefes de aldeias compreendem o princípio de desenvolvimento sustentável e proíbem ou limitam as queimadas.

O governo de Moçambique divulga campanhas nos rádios e TV. Porém, a mídia não alcança todos no interior do país, onde o problema é mais grave. O governo também não tem recursos para fiscalizar e controlar a situação. Este parece sem forças diante do crescimento populacional e pressão das antigas tradicionais. E as queimadas não são o único problema ambiental no país.

”As pessoas devem ser informadas sobre a importância do controle das queimadas e conseguir outros meios de sustento ao interior, no lugar de agricultura por queimadas e produção de carvão vegetal”, deseja Chico Pnheiro. Entre outras ONGs, a KEPA (finlandesa) atua em Moçambique, esclarescendo a população dos povoados sobre o controle das queimadas na Província de Cabo Delgado. A educação ambiental e incentivo a outros meios de subsistência deveriam ser patrocinadas através dos auxílios e empréstimos financeiros ambientais, oferecidos pelos países industrializados.

As queimadas, incêndios florestais, uso do fogo na caça, produção e queima de carvão vegetal aumentam também as emissões de gases de estufa. Porém, infelizmente a África aparece na mídia com outras notícias mais dramáticas, como as sensacionais guerras civis, golpes de estado, corrupção, catástrofes naturais, epidemias e fome. Seria desejável, que a atenção internacional também se concentrasse à destruição das florestas africanas e aos exemplos positivos de ações que procuram diminuí-las.

O texto é uma contribuicão à campanha e o seminário A África e a Mudanca Climática na Universidade de Helsinki em 20.11.2009. Foi publicado em finlandês na revista Suomen Luonto em 2006 e apresentado no Congresso de Pesquisa de Países em Desenvolvimento na Universidade de Helsinki no mesmo ano.

O autor é geólogo e tradutor público e intérprete finlandês-português-finlandês e trabalhou no interior de Moçambique nos anos de 2003-2005. É doutorando da Universidade de Helsinki e foi professor colaborador dos Departamentos de Geografia da UFSC e UDESC em 2002-2004; teerola@cfh.ufsc.br. Atualmente trabalha na sua empresa na Finlândia.






















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