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Nov 18, 2009

Água na seca

Toni Eerola

Na província moçambicana de Tete, a água é chamada de madzi na língua local, a nhóngòe. Ela é um recurso natural escasso e por isto, valioso. Durante a estiagem anual, a água dos rios evapora. Por isto, os locais devem buscar água de muito longe. Este é trabalho das mulheres. Elas são vistas nas estradas com as suas roupas coloridas, carregando potes ou tonéis na cabeça. As bombas dos poços artesianos são locais de encontro das mulheres dos povoados. Naqueles povoados, onde não tem fonte ou poço, a falta d’água é observada em crianças sorridentes, que abanam aos estranhos, vestidos com roupas sujas e que não tomaram banho há algum tempo.




Os habitantes do meio rural tem se adaptado a viver com pouca água, escavando o lençol freático na areia dos fundos de rios secos. Ao redor destes buracos circula e zombe uma rica biodiversidade. Tanto os animais menores como maiores buscam nelas a pouca água e umidade. Alguns destes buracos tem proteções contra animais, construídas de pedras. Muitas vezes se encontra também a n’gowboe, ou seja, um copo natural feito de casca de porongo.

Longe dos povoados, estes poços são usados pelos caçadores. São também locais de refresco muito bem vindos a geólogos em trabalho de campo, que é feito a pé ao longo dos rios secos. Principalmente quando o seu cantil começa estar vazia. Algumas vezes a água do cantil acaba. Isto é um pesadelo nestas condições.

Porém, a estiagem tem o seu oposto. O período de chuvas dura de dezembro a março. O verde da natureza explode à vista! Nos rochedos dos rios pode se ver depressões e outras esculturas naturais, feitas pela erosão pela água e material sedimentar carregada. Destas feiçoes e blocos de rochas enormes, carregadas pela conrrenteza, pode se deduzir a força d’água. Chuvas fortes martelam o solo, as quedas d’água rugem e a erosão faz um banquete. Os rios inundam, as estradas são cortadas, as pontes são levadas pelas águas e pessoas se afogam. Muitos podem ficar presos por semanas em áreas que se transformaram em ilhotas.

Nestas condições a importância d’água e das forças da natureza se ressaltam. Isto faz pensar na dureza da natureza africana e a adaptação à ela. Após esta experiência, dou mais valor a um ato tão cotidiano como beber um simples copo d’água.


Savana em chamas! Queimadas em Mocambique

Toni Eerola

Colunas de fumaça sobem ao céu no horizonte. Fogo se alastra nas florestas e às margens das estradas. Círculos de fogo iluminam as montanhas de noite. Toras e tocos enegrecidos restam em campos de florestas queimadas. As queimadas são cotidianas no interior de Moçambique. Devido à fumaça, o pôr-do-sol na África é tão bonito.

A flora de Moçambique é rica. Cerca de 6000 espécies são encontradas lá, dos quais 177 são endêmicos e não ocorrem em nenhum outro lugar do planeta. A flora é predominantemente composta de savana arbustiva, semi-árida (acácia) e savana florestal, mais úmida (savanas de enchentes do tipo miombo e mopane). As savanas sofrem um período seco anual, que varia de alguns mêses a até 9-10 mêses, causando grande variação na pluviosidade. Muitos rios secam totalmente.

O fogo é parte importante do ecossistema da savana. As queimadas tem a sua maior importância na savanas úmidas, onde modificam consideravelmente a cobertura vegetal. Quanto mais a savana florestal queimar, mais pastagens se formam, impedindo o surgimento de novas árvores. A recuperação de um ambiente queimado dura aproximadamente de 10 a 15 anos.

O crescimento populacional e a consequente prática de queimadas, extração de madeira, produção de carvão vegetal, coleta de lenha e o uso do fogo na caça tem diminuído a biodiversidade de Moçambique já durante milhares de anos. Avalia-se que a biodiversidade vegetal, especialmente arbustiva, tem sofrido disto e que somente as espécies resistentes ao fogo tenham prosperado. As queimadas podem ter influenciado também o clima da região, aumentando a duração e a intensidade das secas. Calcula-se que aproximadamente 150.000 há de floresta desaparecem anualmente em Moçambique.

Porém, as organizações ambientalistas e as ONGs se silenciam diante desta catástrofe. A situação da Amazônia é alardeada, apesar de as florestas serem destruídas também na África. Entretanto, a situação de Moçambique é diferente, quando comparado à da Amazônia: apesar de ambos terem um período anual de estiagem, Moçambique possui um clima semi-arido de savana, onde a seca dura mais tempo a cada ano. Assim, as queimadas podem ter conseqüências piores e mais duradouros.

A causa deste silêncio pode ser, entre outros, o fato de a queimada na África ser praticada por pequenos agricultores negros. “Pequeno” é bonito e acusar negros pode ser politicamente incorreto. A Amazônia tem também um exotismo mítico-romântico, o que faz dela de todos os modos mais interessante. A Amazônia é considerada como o “pulmão do mundo”, que absorve dióxido de carbono de maneira eficaz. A capacidade de absorção das savanas não tão grande, porque a biomassa é menor. Porém, o resultado é o mesmo; o solo é pobre, que dura três colheitas, após a qual, deve se queimar mais floresta. Conforme recentes pesquisas californianas, o desaparecimento de cobertura vegetal diminui a absorção da água no solo, aumentando o escoamento superficial e erosão, causando deslizamentos e enxurradas durante o período de chuvas, principalmente nas áreas montanhosas. Assim, em vez de os agricultores prosperarem, eles empobrecem. O fenômeno é conhecido na Amazônia.

As queimadas são descontroladas em Moçambique. Marcas de queimadas são encontradas também em áreas que não podem ser cultivadas, como declives de montanhas e terrenos pedregosos e ricos em sílica.

O fogo é a ferramenta do caçador no interior do país. Com ele, os animais são encurraladas às encostas das montanhas a locais, onde podem ser facilmente abatidos. Porém, as queimadas podem afastar os animais selvagens, que são vitais aos povoados dependentes de caça.

”As pessoas não se preocupam com o controle das queimadas e o fogo pode se alastrar a áreas extensas na floresta seca”, contou um local no documentário “Queimadas descontroladas”, dirigido por Chico Pinheiro.

As queimadas começam geralmente em agosto, durante o período de estiagem. Tudo é seco nesta época. Queima-se áreas extensas para o cultivo de milho, algodão e fumo. Isto aumenta a desolação da paisagem seca. Para o final do ano, as temperaturas aumentam e a seca piora. No final da estiagem, as queimadas afetam de maneira mais severa as plantas novas, porque há acúmulo de material vegetal seco e a casca e as folhas e flores hibernadas são mais sensíveis ao fogo. Somente em Dezembro começa o período de chuvas.

De acordo com recentes pesquisas australianas, as queimadas podem afetar também as condições climáticas regionais. Elas podem diminuir a quantidade de chuvas, acarretando mais seca. Se a vegetação diminuir, a transpiração regular das plantas diminui, o que, por sua vez, diminui a pluviosidade. As pancadas ocasionais de chuva escorrem rapidamente às drenagens e ao mar, quando os impactos de pingos de chuva endurecem o solo, impedindo assim, a geração de solos férteis. Queimadas sistemáticas em áreas que sofrem estiagens regulares são desastrosas, porque o solo destas já é pobre em nutrientes. Somente poucas plantas suportam este tipo de agressão.

Em várias províncias, a estiagem e o abaixamento do lençol freático tem causado freqüente falta d’água e fome. Pode se imaginar, o que causará o possível aquecimento global.

Do ponto de vista de um geólogo, a pior característica do terreno moçambicano são os arbustos espinhosos, que ocorrem em savanas, que foram queimadas várias vezes. Porém, as áreas queimadas tem também facilitado a caminhada e a visualização de afloramentos de rochas pelos geólogos. Após o trabalho em uma área destas, o geólogo geralmente está preto de fuligem. As queimadas também são perigosas para quem anda no campo devido ao fogo descontrolado e a fumaça.

Da floresta ao carvão e ao aquecimento global

Na preparação da comida, os moçambicanos usam geralmente lenha e carvão vegetal. Apesar de o país produzir eletricidade e gás natural, estes não são acessíveis em todos os lugares país. O uso de fogões elétricos e à gás são também demasiadmente caros para muitos. Assim, o carvão vegetal é queimada também nas cidades, o que aumenta a poluição atmosférica, já carregada de gases de escape dos automóveis.

O carvão vegetal é produzida derrubando floresta e queimando toras em grandes estufas de pedra. Para muitos, este é a único meio de vida no interior de muitas regiões do país, quando a terra não fornece sustento. Porém, os produtores não ganham muito pelo seu trabalho. Quem lucram, são os transportadores e comerciantes. O carvão vegetal é vendido em grandes sacos ao longo das estradas, quando o seu preço é cerca de 6 Reais. Nas cidades, o preço do saco pode ser até 21 Reais. Os produtores de carvão não são conscientes pelo dano que estão causando e do perigo da floresta desaparecer da região no futuro. A sobrevivência é mais importante. O círculo vicioso está instalado.

A região de Goi-Goi, na Província de Manica, próximo á fronteira de Zimbabwe, onde se ergue a cadeia de montanha Sitatonga, é uma exceção. A floresta é luxuriante e pouco queimada, apesar de a região ser povoada. Os chefes de aldeias compreendem o princípio de desenvolvimento sustentável e proíbem ou limitam as queimadas.

O governo de Moçambique divulga campanhas nos rádios e TV. Porém, a mídia não alcança todos no interior do país, onde o problema é mais grave. O governo também não tem recursos para fiscalizar e controlar a situação. Este parece sem forças diante do crescimento populacional e pressão das antigas tradicionais. E as queimadas não são o único problema ambiental no país.

”As pessoas devem ser informadas sobre a importância do controle das queimadas e conseguir outros meios de sustento ao interior, no lugar de agricultura por queimadas e produção de carvão vegetal”, deseja Chico Pnheiro. Entre outras ONGs, a KEPA (finlandesa) atua em Moçambique, esclarescendo a população dos povoados sobre o controle das queimadas na Província de Cabo Delgado. A educação ambiental e incentivo a outros meios de subsistência deveriam ser patrocinadas através dos auxílios e empréstimos financeiros ambientais, oferecidos pelos países industrializados.

As queimadas, incêndios florestais, uso do fogo na caça, produção e queima de carvão vegetal aumentam também as emissões de gases de estufa. Porém, infelizmente a África aparece na mídia com outras notícias mais dramáticas, como as sensacionais guerras civis, golpes de estado, corrupção, catástrofes naturais, epidemias e fome. Seria desejável, que a atenção internacional também se concentrasse à destruição das florestas africanas e aos exemplos positivos de ações que procuram diminuí-las.

O texto é uma contribuicão à campanha e o seminário A África e a Mudanca Climática na Universidade de Helsinki em 20.11.2009. Foi publicado em finlandês na revista Suomen Luonto em 2006 e apresentado no Congresso de Pesquisa de Países em Desenvolvimento na Universidade de Helsinki no mesmo ano.

O autor é geólogo e tradutor público e intérprete finlandês-português-finlandês e trabalhou no interior de Moçambique nos anos de 2003-2005. É doutorando da Universidade de Helsinki e foi professor colaborador dos Departamentos de Geografia da UFSC e UDESC em 2002-2004; teerola@cfh.ufsc.br. Atualmente trabalha na sua empresa na Finlândia.