Toni Eerola
“O brasileiro, infelizmente, ainda pensa nos artistas como um bando de homossexuais e prostitutas”.
Cazuza
“O preconceito nasce do desconhecimento, do medo”
Renato Russo
“Estou cansado de tanta caretice,
tanta babaquice, desta eterna falta do que falar”
Lobão
Abstract: “They call you gay, thief, pot-smoker”... Prejudice, xenophobia and categorization of “strange” in Brazilian culture
“They call you gay, thief, pot smoker, transform the whole country in a bordel, because that way more money is earned”.
This lyrics is from Brazilian rock musician Cazuza's hit “Time don´t
stop”. Cazuza was one of the most brilliant singers and composers of the
1980's Brazilian rock scene. His lyrics serves as the starting point
for a analysis of prejudices, xenophobia and categorizations used to
characterize and classificate behaviors considered as different or
strange in Brazil. Those are categorizations by which those are tried to
be decodified, explained and understood. As this explanation is
sometimes not easy, another mechanism is used: categorization in known
referencials (gay, pot-smoker, lesbian, communist, etc.). Those
categories are like “conceptual deposits”, where new phenomena that have
no ready and immediate explanations into the limited universe of
sovinism, conservadorism, ignorance and prejudices, are put. An uncommon
behavior is disconstructed, and a possible threat that it may represent
is annulated by the use of those negative adjectives. Those behaviors
can be every single manifestation that is new, or not very common in
Brazil. Examples of those situations are given, and adjectives such as
gay, lesbian, thief, pot-smoker, etc., are analyzed.
The Cazuza's lyrics tells us that while people are still worrying to
analyze and categorize people by their behavior, more important and
urgent issues escape from the minds, generating alienation and
possibiliting the exploitation of the country by its elites. The
education is the key and the most effective way to fight against those
mechanisms.
Key-words: Cazuza, prejudices, xenophobia, homophobia, Brazilian rock, categorizations, gender, Brazil
Resumo
“Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro, transformam o país
inteiro em puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro”. A letra da
música do Cazuza, O Tempo não pára, serve de ponto de partida para uma
análise de xenofobia e categorizações que são popularmente usados ao se
tentar caracterizar comportamentos novos, diferentes e “estranhos” na
cultura brasileira. Ladrão, bicha, maconheiro, comunista, vadia,
sapatão, etc., são categorizações através dos quais tenta-se explicar e
digerir comportamentos que fogem do comum. Porém, na maioria das vezes
os sujeitos destas denominações não correspondem, nem satisfazem as
características destas.
Estas categorizações são uma espécie de “depósito de lixo conceitual”,
onde fenômenos, que não encontram explicação fácil dentro dos limites
estreitos da ignorância e preconceito, são colocados. Nestes depósitos, a
conduta incomum é tentativamente desconstruído e digerido, e a possível
ameaça que esta possa representar, é anulada através do uso de
adjetivos pejorativos.
O uso destes é reflexo de conduta imatura, infantil, imediatista e
reacionária, que nega a reflexão e tem no preconceito e ignorância o seu
melhor combustível. È uma forma de violência discriminatória, que
reproduz e perpetua formas de opressão social e hierarquias de poder. O
fenômeno é intrínseco à cultura e ao berço nutrido pela imposição de
papéis sociais, sexuais e políticos.
Geralmente as pessoas não questionam ou resistem a estes
mecanismos. É difícil lutar contra toda uma cultura, herdeira do
machismo luso-latino, exploração escravista, ditaduras militares e forte
estratificação social.
A letra da canção do Cazuza diz que enquanto nos preocupamos em
analisar e categorizar pessoas, assuntos mais importantes nos fogem à
mente, gerando alienação e possibilitando a continuação da exploração do
país pelas elites. A educação, distribuição de renda e modernização das
relações entre homens e mulheres são fatores-chave para o seu
enfrentamento.
Palavras-chave: Cazuza, preconceito, xenofobia, homofobia, música brasileira, rock brasileiro, categorizações, gênero, Brasil
Introdução
Segundo Santos (1989), “o Ocidente sempre se deu mal com as
diferenças: a do índio, do negro, do louco, do homossexual, da criança.
Deve-se à Derrida a descoberta de uma cadeia destes grandes preconceitos
universais, que permeia a cultura ocidental: Logos é o Espírito da
Razão que faz ciência, que promove a consciência, que impõe a Lei, que
estabelece a Ordem e que organiza a Produção (ibid.). Estes valores
foram promovidos reprimindo e silenciando como inferiores o
corpo/emoção/poesia/inconsciente/desejo/ acaso/intuição. Além de matar
diferenças em identidades, hierarquiza estes elementos, valorizando
outros, tornando-os “superiores” (ibid).
A ditadura militar no Brasil (1964-1985) foi um campo fértil para
xenofobias, preconceitos e estigmas de toda ordem, produzindo uma série
de categorizações e rótulos neles baseadas. O período ditatorial foi
também uma época de estagnação política e cultural, mesmo que o estilo
Música Popular Brasileira (MPB) teve a sua origem e apogeu durante este
período (Eerola & Eerola 1998).
Com a abertura democrática, a partir de 1975, novos ventos começaram a
soprar. Políticos e músicos refugiados retornaram ao país com a anistia
em 1978. Como conseqüência da nova atmosfera, liberdade e efervescência
cultural, o rock brasileiro (re)surgiu no início da década de 1980. Este
trouxe questionamentos, novos valores e estilos de se vestir, agir e
pensar (Dapieve 1995, Eerola & Eerola 1998, Alexandre 2002).
Durante o final da década de 1970 e início dos 80, o MPB tinha se
tornado “adulto” e elitizou, estagnou e construiu “castelos nas nuvens”,
com letras alienadas, idealistas e românticas (Eerola & Eerola
1998), distanciando-se da juventude e principalmente, do povo, mas
sempre com o estampa de “bom gosto” e “qualidade” (Dapieve 1995,
Alexandre 2002, Eerola 2002, 2004a). Virou música para classe média e
alta. Isto, por sua vez, tem gerado uma série de preconceitos e
segregação em relação a outros estilos de música brasileira, como
sertanejo e pagode, identificados com as camadas mais baixas da
população e considerando-as como de “mau gosto” e “brega”, refletindo a
forte estratificação sócio-econômica e cultural do país (Eerola &
Eerola 1998, Eerola 2002, 2004a, b).
No mesmo período, a nova geração do rock queria “
revolucionar a
música popular brasileira; pintar de negro a asa branca, atrasar o trem
das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer” (
Clemente, da banda
Inocentes,
apud Bivar 1982) e
“invadir a sua praia”, “sentindo
o cheiro de gasolina e óleo diesel”,
com os pés firmemente no asfalto e concreto das grandes cidades. Com a
influência do Punk e do New Wave, o “negócio” agora era falar
diretamente, sem meias palavras (Dapieve 1995, Eerola & Eerola 1998,
Alexandre 2002). O seu discurso pós-moderno invertia conceitos como a
“Tradição, Família e Propriedade”. Questionaram também diversas
rotulações, preconceitos e ufanismo. “
A gente somos inútil!” (
Ultraje a Rigor) foi dito com deboche e ironia, seguido dos clássicos
“Que País é Esse?” (
Legião Urbana), “
Polícia”, “Estado Violência” (
Titãs),
“Armas”, “Alagados” (
Paralamas do Sucesso), e
“O Tempo Não Pára”,
“Brasil”, “Blues da Piedade”, “Burguesia” (
Cazuza), colocando o “País do Futuro”, “Ame o Brasil ou Deixe-o” e “Deus é Brasileiro” definitivamente na lixeira da história.
Fernando Gabeira considerou estas músicas do Cazuza como a mais implacável crítica da sociedade brasileira do fim do século XX (
apud Duó 1990).
Ainda na época da ditadura, estes músicos teriam sido categorizados,
além de “bichas”, também como “subversivos”, “comunistas”, “agitadores”,
“traidores da pátria”, etc., e teriam sido presos. No novo período,
porém, muitos outros preconceitos continuavam sendo utilizados para
nomear e categorizar o “estranho” ou “diferente”.
Lamentavelmente muitos adjetivos pejorativos baseados em preconceitos e
ignorância persistem ainda hoje na sociedade brasileira. São
categorizações, através dos quais se descreve condutas e atitudes
diferentes em uma sociedade machista e conservadora. O indivíduo nem
sequer precisa ser de acordo com estas características – basta ser, por
exemplo, negro, liberal, artista ou simplesmente, “diferente”. Para
exemplo, o Cazuza disse que
“o brasileiro, infelizmente, ainda pensa nos artistas como um bando de homossexuais e prostitutas” (
apud Duó 1990). Neste sentido Cazuza cantou:
“Estou cansado de tanta caretice,
tanta babaquice,
desta eterna falta do que falar”
Vida Louca Vida
(Lobão/Herbert Viana)
Estas categorizações são mecanismos e estruturas mentais automáticos,
construídos pelo tecido social e impostas e sustentadas pelas estruturas
culturais e tradições psíquicas do coletivo, “da maioria”.
Tópicos relacionados a este tema têm sido tratados por Goffman (1988),
Bento (1999), Bandeira & Batista (2002), Heilborn & Carrara
(1998), Almeida (1995), Sabat (2001), Pierrucci (1998) e Caiffin &
Cavalcanti (1999). Estes artigos tratam das diferenças e preconceitos,
principalmente do ponto de vista da sexualidade masculina.
No presente artigo o autor amplia esta visão, analisando o significado
de algumas expressões de cunho popular, como o ladrão, bicha,
maconheiro, comunista, vadia e sapatão, utilizados para se categorizar
condutas consideradas “diferentes”. O ponto de partida para a análise é a
letra da música do Cazuza,
“O tempo não pára”. O trabalho foi apresentado no VI Fazendo Gênero na UFSC, Florianópolis, em 2004 (Eerola 2004c).
O olhar ao assunto é de um estrangeiro radicado no país entre 1979-1992 e
de 2001 em diante. Ressalta-se porém, que a xenofobia do título deste
trabalho não se refere aos estrangeiros.
Preconceito, xenofobia e a função da categorização do “estranho”
Cazuza, abertamente bissexual, foi um dos compositores mais brilhantes e
lúcidos da geração do rock da década de 1980, juntamente com
Lobão, Herbert Viana (Paralamas do Sucesso),
Arnaldo Antunes (Titãs) e
Renato Russo (Legião
Urbana, vide Eerola & Eerola 1998). As letras sarcásticas
pós-modernas do Cazuza refletem bem o Brasil da década de 1980 e
continuam sendo atuais até hoje. Ele usava fortes metáforas e foi um dos
maiores intérpretes brasileiros da vida cotidiana mânico-depressiva, “o
céu e o inferno de todo dia”. Segundo
Caetano Veloso, “
Cazuza foi o maior poeta brasileiro”.
O lançamento do filme sobre a vida do Cazuza, ocorrido em 2004, é uma
boa oportunidade para se discutir a obra e o pensamento deste músico.
Na sua música e o título do filme, “
O tempo não pára”, Cazuza disse:
“Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro,
transformam o país inteiro em puteiro,
pois assim se ganha mais dinheiro”
O Tempo Não Pára
(Arnaldo Brandão/Cazuza)
O que será que o Cazuza quis dizer com isto? Apresenta-se aqui uma
interpretação: As categorias, como o ladrão, bicha e maconheiro, são
como uma espécie de “depósito de lixo conceitual”, onde os fenômenos e
condutas “estranhos” e desconhecidos são tentativamente colocados e
“digeridos”. A percepção do novo e a sua tentativa de compreensão passam
por um ato mental de manipulação e fragmentação em seus elementos mais
simples.
Segundo Arbex Jr. (2001), fatos existem, mas não como eventos naturais;
eles se revelam ao observador – e são, eventualmente, por ele
construídos -, segundo o acervo de conhecimentos e o instrumental
psicológico e analítico que por ele podem ser mobilizados. Fatos
existem, mas só podemos nos referir a eles como construções de
linguagem. Descrever um fato é, ao mesmo tempo, interpretá-lo,
estabelecer a sua gênese, seu desenvolvimento e possíveis
desdobramentos, isolá-lo, enfim, como um ato, uma unidade dramática (
ibid.).
Porém, a tentativa de compreender um fenômeno comportamental “novo”
pode ser frustrada. Muitas vezes, as pessoas não conseguem explicar um
fenômeno novo por meios convencionais. Isto causa desconforto,
perturbação, incomodação e por fim, irritação. Assim, o fenômeno novo
pode ser considerado tão transgressor que possivelmente represente até
uma ameaça. Assim surgem o preconceito e o estigma (vide Goffman 1988).
Como disse o cantor e compositor Renato Russo, “
o preconceito nasce do desconhecimento, do medo” (
apud Dapieve 1995).
Quando a “digestão”, ou seja, a compreensão e absorção de algo novo não
se procedem, uma categorização pode ser embasada, fortificada e este
ganha uma voz viva em forma de uma exclamação de uma ofensa dirigida ao
representante deste fenômeno. Um exemplo comum disto é “bicha!”.
Tenta-se assim desconstruir o “estranho”, invertendo-o a algo
pejorativo. Como exemplo, o visual agressivo dos punks, com os cabelos
arrepiados ou moicanos, virou “pavão”, “periquito”, “urubu”, etc. na
década de 1980, ao mesmo tempo em que desesperadamente tentava-se
classificar o visto e percebido, mas não reconhecido e compreendido.
Este é um mecanismo de auto-defesa diante do novo, desconhecido e
estranho, que pode representar uma espécie de ameaça potencial direta ou
indireta, através do choque, provocação ou questionamento de atitudes e
condutas pré-estabelecidas. Esta “ameaça” aparente é neutralizada
através da desconstrução, reduzindo o seu valor a algo menos ameaçador,
mas pejorativa. Este é mapeado à uma categoria conhecida, segura, porém,
com conotação negativa. A auto-identidade é assim reforçada por não
pertencer à esta categoria. “É o
Outro, não
Eu!”
Como o fenômeno novo não é prontamente identificado, decodificado e
explicado de maneira convencional, busca-se referenciais nestas
categorias prontas, estruturadas. Refugia-se a conceitos e padrões
fornecidos pela própria cultura. Através desta fuga às categorias
conhecidas, o fenômeno é “explicado”, desmontado e ridicularizado, o que
dá segurança e conforto, pois não precisa mais pensar na representação e
questioná-lo, ou pior, questionar a própria conduta e atitudes. Isto,
por sua vez, estimula o recurso ao clichê, ao preconceito, à reiteração
de concepções já formadas (Arbex Jr. 2001). Trata-se da estigmatização,
segundo Goffman (1988).
Muitas vezes as pessoas não conseguem entender também porque outras
culturas tem condutas diferentes, sem que isto signifique ser
homossexual, louco ou prostituta. A aceitação provinciana de imagens e
certezas preconcebidas sobre outros povos se deve, em parte, ao fato de
que cultural e psicologicamente é muito mais fácil sustentar um
preconceito do que demoli-lo (Arbex Jr. 2001). Freqüentemente
brasileiros caem em armadilhas conceituais deste tipo na Europa. A
alguns é um choque ver condutas ou atitudes que são comuns na Europa,
mas completamente novos e estranhos a eles. Lamentavelmente, muitas
vezes estes recorrem às velhas fórmulas aos quais estão habituados, para
conceituá-los em primeiro momento. Porém, felizmente logo notam que
viajar “abre os olhos”. Entretanto, como coloca Arbex Jr. (2001),
tampouco o contato com outras culturas garante, por si só, que o
preconceito vá ser demolido. Pode ser até reforçado, se não houver a
disposição de colocar em cheque os próprios valores. Brasileiros que
viajam ao exterior, geralmente fazem parte da classe mais privilegiada.
Porém, apesar do seu nível de instrução, muitas vezes parece que este
nada aprende nestas viagens.
A esse respeito, refere-se a um outro trecho do “
O Tempo não pára”:
“Tua piscina 'tá cheia de ratos,
tuas idéias não correspondem aos fatos”
Ladrão, Bicha, Maconheiro & Companhia - Análise das categorias
As pessoas precisam saber sobre os atributos sociais dos
transeuntes, para saber se algum comportamento “estranho” não constitua
uma ameaça, para saber como agir em relação à ela e se sentir seguro
(Giddens 1991, Knapp & Hall 1999), i.e. que o mundo, apesar de tudo,
é ainda um lugar previsível (Giddens 1991).
A conduta, os gestos, as expressões, os acessórios, a aparência, a idade
e o modo de se vestir emitem sinais de identidade e classe social que
são captados, processados e decodificados pelos transeuntes (Knapp &
Hall 1999). A identidade dos transeuntes e a construção da compreensão
de algo novo são assim rapidamente interpretadas e categorizadas. Em uma
sociedade de classes, fortemente estratificada, como a brasileira, isto
ocorre de uma maneira reforçada. Trata-se de representações sociais,
área da psicologia social (e.g. Jovechelovitch 1995, Pichon-Riviére
& De Quiroga 1998, Knapp & Hall 1999). Psicólogos finlandêses
chamam a isto também de
psicogeografia (Toivonen & Kiviaho 1998). Goffman (1988) fala da construção de
estigmas.
A seguir, descreve-se uma experiência pessoal, em que se pesquisou a
conduta de pessoas frente a um ato diferente, estranho, não prontamente
codificado.
O trabalho do geólogo, i.e., a observação de rochas, suscita
curiosidade, questionamento e reações nos leigos, tanto no meio rural,
quanto mais na cidade, podendo veredar até à ameaça de violência física
(Eerola 1994, Eerola et al. 2003).
Eerola et al. (2003) analisaram a conduta e as reações de clientes de
shopping centers da Grande Florianópolis frente ao estudo de rochas
ornamentais, utilizados para a decoração desta. O ato despertou a
curiosidade dos transeuntes. A curiosidade despertada foi aproveitada
como uma oportunidade para produzir encontros e interações com
estranhos, popularizando-se geologia.
Os alunos concentraram atenção às paredes, pisos e balcões (rochas), no
lugar de vitrines e produtos, sendo um ato simbolicamente transgressor,
uma negação aos apelos de consumo. O ato representa uma intervenção no
presente, uma ruptura do cotidiano e distúrbio no habitual de um
shopping. É uma conduta incomum, que chama a atenção das pessoas. Isto
pode ser considerado sociologicamente como uma
performance.
Construiu-se um espetáculo performático, baseado nos papéis de atores em
processo de investigação-ação. A curiosidade tornou os clientes em
espectadores que, por sua vez, eram assistidos pelos alunos-atores,
envolvendo ambos em um jogo.
Ao denotarem os alunos observando o piso e as paredes do espaço, três
tipos de reações foram produzidos: algumas pessoas passaram e apontaram,
outros saem cochichando e um terceiro grupo se aproxima e indaga dos
porquês daquilo que faziam. Em suma, ninguém ficou indiferente. Em
geral, os transeuntes olhavam discretamente, alguns franzindo a testa,
mas passaram pelos alunos com olhares incrédulos ou com expressões de
desprezo. Porém, a maioria não parava para perguntar e lançavam olhares
curiosos somente após terem passado pelos alunos. Comentaram alguma
coisa com a pessoa ao lado. Pelos olhares, alguns transeuntes duvidaram
da sanidade mental dos alunos.
Analisando os comportamentos acima, “o discreto charme da burguesia” e o
ambiente fechado foram provavelmente fatores que impediram com que
estes expressassem de modo livre a sua curiosidade e indagação sobre a
atividade. Provavelmente as pessoas estavam mais concentradas em
consumir. Deve-se ressaltar também, que a clientela seleta dos shoppings
é habituada a manifestações artísticas de todos os tipos e poucas
representações conseguem os “chocar”, devido ao seu grau de instrução.
As suas emoções são contidas. O assalto da curiosidade é sufocada
pela análise. A identidade estudantil dos protagonistas e a construção
da compreensão de algo novo (da atividade) são assim rapidamente
interpretadas e a relação com alguma atividade de estudo é estabelecida.
Algumas teorias da comunicação servem-nos como um exemplo analítico
sobre a percepção de um dado fenômeno e a sua imediata classificação.
Segundo Arbex Jr. (2001), não apenas o olhar do observador é seletivo
quanto ao evento presenciado, como ao relatar um evento, o observador
seleciona, hierarquiza, ordena as informações expostas, fazendo aí
interferir as suas estratégias de narração. Segundo o mesmo autor, da
psicanálise e das ciências sociais sabemos hoje, que o olhar é
condicionado pela cultura, mas também, talvez, sobretudo – por uma série
quase infinita de mecanismos inconscientes (preconceitos, afetos,
traumas, automatismos), sendo a imensa maioria destas forjada já na
primeira infância. Assim, a interpretação do fenômeno vivido e percebido
passa por um exame subjetivo, que é limitado por contextos econômicos,
culturais, sociais, ideológicos, políticos, históricos, psicológicos e
por sua própria competência discursiva (Arbex Jr. 2001). Nisto,
coloca-se em jogo uma disputa de discursos e saberes (saberes produzidos
por instituições, no sentido do
Foucault), estabelecendo assim, uma relação de poder simbólico, i.e. uma relação política, no sentido mais amplo do termo (
ibid.).
Seguindo o raciocínio aqui exposto, analisa-se, a seguir, algumas das
categorias típicas mais utilizadas na sociedade brasileira na tentativa
desta de se caracterizar condutas diferentes.
Ladrão (ou louco?)!
Os representantes de classes mais baixas ou de raça negra, podem muitas
vezes ser categorizados como ladrões, principalmente se estão correndo. A
maneira de se vestir, aparentar ou comportar são prontamente
decodificados em uma sociedade de classes como a brasileira. Assim, se
estabelece a identidade e a classe social do “outro”.
Aqui nos serve um exemplo de experiência pessoal. No início da década de 1980, o hábito de correr (
jogging)
ou “fazer Cooper” ainda não havia se difundido no Brasil. Quando
praticado, era feito em clubes fechados, parques esportivos com pistas
de corrida ou praças. Era incomum fazer isto na rua, no espaço urbano.
Quando o autor praticava isto na rua, era comum os transeuntes se
virarem e se perguntarem “de que está fugindo?” ou “porque está
correndo?” Se “mal vestido", a explicação automática era “está fugindo
da polícia” ou “é um assaltante”. Porém, uma pessoa com roupa esportiva
de tênis, shorts e camiseta limpas causava um certo desconforto, pois
não correspondia à categoria conhecida de “ladrão”. Era algo novo. Então
se pensava, “deve ser louco!”. Encontrou-se assim uma outra categoria
segura que explicava o desconhecido e inusitado comportamento. Isto
perdurou até que se habituou ao fenômeno que se popularizou rapidamente.
Porém, a prática do alongamento em um espaço público provocava reações
até ao início da década de 1990.
A versão moderna para ladrão é “traficante”. Infelizmente muitos jovens
de classe social baixa podem ser muitas vezes rotulados desta maneira.
Pode se também passar automaticamente ao menos à categoria de
“suspeito”, mesmo sem ter cometido crime algum. Jovens negros foram
recentemente detidos pela polícia em Porto Alegre, quando corriam para
chegarem ao local do vestibular antes de fecharem a entrada.
Maloqueiro é uma outra denominação pejorativa sócio-econômica para comportamento diferenciado da discrição burguesa.
A mídia participa ativamente na formação destes conceitos. Ao localizar o
problema da violência e tráfico de drogas apenas nas favelas, todos os
habitantes destas áreas passam a ser suspeitos e temidos. Não se discute
ou tenta localizar aqueles que compram, consomem e, principalmente,
financiam o tráfico de entorpecentes. Certamente estes não habitam as
favelas.
“Bicha!”
“Olha cabeleira do Zezé,
será que ele é,
será que ele é...?”
A marchinha popular de carnaval da década de 1960 sobre “o cabelo do
Zezé” continua sendo atual, pois descreve a preocupação e a necessidade
que o brasileiro tem em querer identificar a sexualidade do “outro” e de
rotulá-lo. Esta preocupação é exacerbada, quando o “outro” apresenta
algo diferente, como cabelo, roupa ou conduta.
A música acima foi contemporânea à “invasão” de influências estrangeiras
no Brasil, como o cabelo mais comprido dos Beatles, que a juventude
passou a imitar. A letra questiona o que seria “Zezé” com aquele cabelo
“estranho”, não-identificado. Será que é “transviado”, “Maomé” (?) ou
“Bossa Nova”, pergunta a música, sem fornecer uma resposta.
“O que será que ele é?”,
pergunta, cheia de perplexidade. Mesmo inserido em uma música de
carnaval, a resposta a este desconforto é reacionária e fascista:
“Corte o cabelo dele!”.
Por incrível que pareça hoje, a Bossa Nova foi também usada na música,
como sendo uma representação “suspeita”. As vozes suaves, finas, meio
desafinadas de
João Gilberto,
Vinícios de Moraes e
Tom Jobim
foram, ao que parece, provocantes para alguns conservadores da época.
Porém, foi nesta mesma década, que as primeiras manifestações de
questionamentos do papel sexual do homem surgiram na cultura brasileira
de forma pública, nos performances e atitudes andróginas de Caetano
Veloso (vide Veloso 1997, Lima 2003). Aliás, o próprio Caetano Veloso,
junto com o movimento
Tropicalista, se revoltou abertamente
contra o sucesso e estampa de bom gosto da Bossa Nova e vários outros
valores dominantes da época (Veloso 1997, Lima 2003, Eerola 2004a).
Ney Matogrosso, junto com os
Secos e Molhados, por sua vez, revolucionou a representação masculina na década de 1970, seguindo a tendência internacional do
glam-rock, representado por
David Bowie.
Porém, ainda no fim da década de 1970 e começo da década de 1980,
bastava o homem vestir uma peça de roupa p.ex. cor-de-rosa, para ser
tachado de homossexual no Brasil. Com o novo estilo trazido pelo New
Wave e moda Surf, isto felizmente passou. Porém, no início, os cabelos,
atitudes e roupas “estranhas”, de cores berrantes, apertados do New
Wave, eram facilmente colocados na categoria de “
bicha”. Isto ocorria até que a mídia veiculasse e vendesse a nova moda, absorvendo o seu choque.
“O homem tem que ser macho!” – Aparentemente um dos maiores medos
do homem brasileiro é ser considerado homossexual. É uma manifestação
de homofobia. O glúteo do homem brasileiro é o seu maior tabu, um “bem
precioso a ser protegido” a todo custo de qualquer “ameaça” que outros
homens possam lhe apresentar, beirando muitas vezes o ridículo.
Bicha, veado, fresco, fruta, boiola,
gay, etc., são as
denominações mais comuns para comportamentos diferentes, que fogem da
apresentada e aceita pela maioria dos homens. São exemplos os trejeitos
interpretados como afeminados e demonstrações de sensibilidade (p.ex.
voz fina, roupas diferentes, gosto pelas artes, decoração, etc.) ou um
comportamento simplesmente diferente, não prontamente identificado.
Os termos
veadagem ou
bichiche, descrevem, por sua vez,
atitudes que pareçam refletir um comportamento homossexual. Assim,
quaisquer manifestações, não prontamente compreendidas, questionáveis ou
repulsivos, podem ser categorizadas como veadagem. Estes termos podem
ser utilizados até por professores universitários. Como um exemplo
recente, o geógrafo da USP, Prof. Dr.
Armen classificou a
geografia da percepção
(e.g. Oliveira & Machado 2004) como “veadagem”, em um evento
científico. Isto, por sua vez, criou resistência em um grupo de alunos
do sexo masculino para participarem do estudo
psicogeográfico de
rochas e reações dos transeuntes frente a este ato de estudo nos
shopping centers de Florianópolis (Eerola et al. 2003). O “problema” é
que a psicogeografia é um precursor da geografia da percepção no meio
urbano (ibid.). Assim, estes alunos tiveram medo de estarem fazendo
“veadagem” em um lugar público. No entanto, estes preconceitos foram
superados. O autor falou aos alunos que “seríamos então todos “veados” e
com grande honra!”. Porém, o exemplo mostra a força da influência que
certas autoridades educacionais(?) podem exercer nos alunos no meio
acadêmico.
Desta forma fica claro, que quaisquer “transgressões” de códigos
pré-estabelecidos para masculinidade são imediatamente punidas por meio
dos termos supracitados. Assim, o homem brasileiro passa durante a sua
vida pela preocupação, esforço e pressão grandes para que não seja
pensado, considerado, ou pior, chamado com algum dos adjetivos citados
acima. Para o autor, este medo é algo, no mínimo, tragicômico.
No Brasil, diversos códigos de conduta sexuais são impostos de forma
repressiva e autoritária às crianças, antes mesmo de compreenderem o que
é sexualidade, i.e., o que é ser mulher, homem, bi- ou homossexual. A
mídia, especialmente os programas humorísticos como
Casseta & Planeta,
Turma do Didí e
Zorra Total
e telenovelas participam ativamente na formação, manipulação e no
fortalecimento destas fobias e categorizações, refletindo a cultura em
que estão inseridos (vide também Sabat 2001, Arbex Jr. 2001). A Turma do
Didí, supostamente destinado às crianças, além de sexista, é recheada
de preconceitos de toda ordem, que acabam moldando opiniões e a maneira
de ver o mundo pelas crianças. Pela ênfase que se dá aos
sketches humorísticos, envolvendo homossexualidade na TV brasileira, a homofobia parece ser algo característico desta sociedade.
Arbex Jr. (2001) observa que, não raro, os veículos da mídia participam
de um “consenso fabricado”, muito mais por inércia preconceituosa e
ignorância intelectual do que por uma vontade política consciente
Porém, por estranho que pareça, o brasileiro parece não saber o que é a
homossexualidade. Existe um mito, de que somente aquele que apresenta um
comportamento afeminado e passivo, é homossexual. Porém, existem também
os homossexuais ativos. O ativo é aquele que mantém relações com o
passivo, sendo também, um gay, ou, no mínimo, um bissexual. Esta relação
não é percebida no imaginário popular, pois aquele que “aproveita de
uma bicha”, é considerado “macho”, por incrível que pareça. Quando este
fato é mencionado para alguém que se gaba de ter feito isto, surge a
defesa, “
sai fora, tá me estranhando?”. Assim, ao usar adjetivos pejorativos para denominar os outros, é bom sempre “se olhar no espelho antes”.
“Maconheiro”
A conceituação de maconheiro, no raciocínio aqui exposto, é algo mais sofisticada. O termo descreve uma pessoa consumidora de
Cannabis sativa.
Na categorização, porém, este assume uma outra conotação. É qualquer
pessoa com uma conduta que foge dos dois anteriormente citados. É
certamente um termo pejorativo, que descreve um comportamento também
“estranho”, porém, sem conotação sexual ou econômica. Os sonhadores,
pessoas lentas, introspectivos, reflexivos, artistas,
hippies, etc., são facilmente colocados nesta categoria, sem no entanto, necessariamente preencherem os pré-requisitos
sensu stricto.
“Comunista”
Durante e logo após o final da ditadura militar, foi comum
denominar uma pessoa que tivesse preocupações sociais, ambientais ou de
direitos humanos como comunista, subversivo, agitador, traidor da
pátria, etc. Baseado neste preconceito, centenas de pessoas foram
presos, exilados, torturados, mortos ou desaparecidos durante o regime
militar. Com a derrocada do socialismo e o fim da Guerra Fria, este
estigma felizmente passou de existir. Até a
Rede Globo fala hoje
em cidadania. Porém, assim foi também diluído o significado da esquerda
toda, que em um mundo pós-moderno eclético da globalização, passou a
adotar discurso e atitudes neo-liberais ou neutras, “em cima do muro”,
retratados na música “
Ideologia”, de Frejat/Cazuza.
“Vadia”
As mulheres também não podem deixar de serem categorizadas em um
país machista. Ao o homem brasileiro ser sexualmente ativo e ter várias
relações sexuais com mulheres diferentes, ele é “macho”. Já uma mulher
com comportamento sexualmente mais liberal e ativa, é logo considerada
como uma prostituta. Não se dá à mulher brasileira o direito de exercer
livremente a sua sexualidade e de ter experiências. A pergunta,
ingenuamente feita pelos homens tem sido “e se o outro for melhor que eu
na cama”? Até há pouco tempo, exigia-se até virgindade da noiva. Isto é
um sinal da insegurança do homem brasileiro. Felizmente isto, porém,
está rapidamente mudando.
“Sapatão”
“A mulher tem que ser delicada, sensual e feminina”. Esta é a opinião
comum entre os homens brasileiros. Uma mulher que tem voz mais grossa,
que use alguma peça de roupa masculina, que não seja tão “delicada”, que
trabalha em uma profissão tradicionalmente masculina, ou que se impõe
p.ex. no mundo dos negócios, pode ser logo tachada de lésbica,
“sapatão”. Porém, a mulher está rapidamente conquistando o seu lugar no
mercado de trabalho na sociedade brasileira. Isto tenderá certamente a
tornar os papéis mais igualitários, o que pode mudar esta atitude de
categorização.
Discussão: “O futuro repete o passado” - “Somos como os nosso pais”?
Sob a ótica do autor, o uso das categorizações acima são reflexos
de conduta imatura, infantil, imediatista, reacionária e conservadora,
que nega a reflexão e tem no preconceito e ignorância o seu melhor
combustível. Fala-se no fenômeno de “infantilização na cultura”. É uma
forma de violência e discriminação, que reproduz e perpetua formas de
opressão social e hierarquias de poder econômico (vide também Bandeira
& Batista 2002). O fenômeno é intrínseco à cultura e ao berço
nutrido pelo preconceito e imposição. É difícil às pessoas questionarem e
resistirem a estes mecanismos. Porém, o que mais surpreende o presente
autor, é o fato de as gerações jovens da atualidade aceitarem as
fórmulas prontas discutidas acima, sem questionar ou contestá-los de
maneira alguma.
Já
Elis Regina e
Belchior cantaram: “
somos como os nossos pais”. Deste forma, a pergunta que se coloca, é: será que o “
futuro repete o passado”, como Cazuza disse no
“O Tempo não pára”?
Ou seja, será que os jovens deste país vão sempre repetir os mesmos
preconceitos dos seus pais e avôs? Ao que parece, o “tempo não pára”,
mas os preconceitos persistem.
Segundo a socióloga
Marilena Chauí (
apud Arbex Jr. 2001), a
sociedade brasileira é uma sociedade essencialmente autoritária, em que
um abismo separa a democracia e o liberalismo. Segundo Chauí, o Brasil
não tem nada de liberal; ao contrário, a sociedade brasileira é
fortemente autoritária em suas práticas sociais, políticas e econômicas,
marcada por relações de privilégios, favores, clientelismo, dependência
pessoal e de hierarquia de mando e obediência, desconhecendo na
política o exercício da representação e na vida social o princípio da
igualdade jurídica entre os cidadãos. Gerações inteiras de
representantes das “
famílias tradicionais” aprenderam a ter
preconceito, desprezo e ódio pelas classes mais baixas já por séculos,
ao mesmo tempo em que assaltavam os cofres públicos do país, como relata
Galeano (1976). Assim, um dos problemas maiores parece ser a fraca
tradição de solidariedade e respeito aos direitos do outro no Brasil.
Segundo Eerola (1993), a opressão do outro, principalmente do mais
fraco, parece ser uma diversão nacional, uma tradição que é perpetuada
por gerações e que transcende as classes sociais. Parece que se tolera
pouco as diferenças no Brasil, mesmo com grandes variações étnicas,
regionais, culturais, sociais e econômicas.
A categorização da diferença se insere perfeitamente neste contexto.
Talvez sejam justamente as grandes diferenças culturais, sociais e
econômicas que geram o preconceito e práticas sociais nele baseados.
Assim, é difícil lutar contra toda uma cultura, herdeira do machismo
luso-latino, séculos de exploração escravista, décadas de ditaduras
militares opressivas e forte estratificação social.
A educação e mudanças estruturais na sociedade, especialmente na
distribuição de renda, crescente democratização e modernização das
relações e papéis mais igualitários entre homens e mulheres, parecem ser
fatores-chave para o seu enfrentamento (Aquino 1998, Louro 1999, Sabat
2001, Batista & Bandeira 2002).
Conclusões
Para finalizar, o que será que o Cazuza queria dizer na letra da sua música
O Tempo não pára? Para o presente autor, esta pode ser interpretado da seguinte forma: enquanto as pessoas “
de alma pequena”,
pensam e gastam energia e tempo em querer interpretar e categorizar
comportamentos dos outros, a elite continua os explorando e
categorizando. A simplificação do pensamento e reação imediatista
permitem com que assuntos mais importantes fujam da percepção da
população, perdendo-se tempo e atenção com futilidades, sendo assim mais
fácil a alguns de explorar o país e continuar trapaceando o povo. É um
exemplo da perda da noção da totalidade, uma forma de alienação em uma
sociedade do espetáculo (Debord 1967).
Apesar de as elites serem mais liberais em relação ao homossexualismo,
segundo Arbex Jr. (2001), são as elites que estabelecem os termos do
debate público e criam condicionamentos culturais e “hábitos mentais”
que tendem a reforçar os seus próprios valores. Assim, ao mesmo tempo em
que a elite condena certas atitudes e impõe preceitos morais, éticos e
comportamentais, esta mesma tem ações questionáveis, como a corrupção,
sonegação, desvio de verbas públicas, abuso de poder, discriminação
social e racial, destruição do meio ambiente, violência no campo,
exploração de mão de obra barata e escrava e consumo irresponsável, “
transformando o país inteiro num puteiro”, ao mesmo tempo em que discursam em favor de idéias liberais e democráticos. Estas elites são de “
boas famílias”, educadas nas “
boas escolas”
particulares do país, que, com os seus preceitos morais e éticos
questionáveis, são verdadeiras fábricas de ladrões de colarinho branco e
gângsteres corporativos. Esta mesma elite é representada de maneira
brilhante na música “
Burguesia” do Cazuza. Viajar abre os olhos,
dizem. Porém, ao ir apenas para “fazer compras em Miami”, esta não
aprende a se civilizar e modernizar.
A letra de uma outra canção do Cazuza é apropriada para encerrar este artigo. É dedicada aos usuários das categorizações:
Pras pessoas de alma pequena,
Remoendo seus pequenos problemas.
Que não mudam com a lua cheia(...)
Vamos pedir piedade,
Senhor, piedade,
Pra essa gente careta e covarde(...)
(...) Que lhes dê grandeza e um pouco de coragem ”
Blues da Piedade
Cazuza/Frejat
Agradecimentos
O autor agradece ao Cazuza (1958-1990) pelas suas músicas que o tem
alegrado desde a década de 1980 e que serviram de inspiração para
escrever este artigo. O artigo é dedicado à memória deste músico que
já que não conseguia levar a vida, deixou a vida o levar.
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