Apr 2, 2010

REVOLTA EM CABINDA

A guerra civil de Angola terminou em 2002, mas refugiados angolanos continuam vindo para Finlândia. O ônibus da seleção de Togo é atacado em Cabinda.
Que Cabinda é essa e o que está acontecendo em Angola?
Há uma onda de imigração da África para Ásia. Muitos países estão em guerra ou as condições são tais, que as pessoas querem sair de lá por outros motivos. a Finlândia recebe refugiados não só da Somália, mas de outros países africanos também. Os requerentes de asilo político de Angola mantém os intérpretes de língua portuguesa ocupados aqui. Mas se a guerra civil já terminou em Angola, de que é que eles estão fugindo?

Violações de direitos humanos como cotidiano

Apesar do fim da guerra civil, uma das províncias angolanas está agitada. A província mais setentrional, a enclave de Cabinda está em rebelião. Esta quer se tornar independente e por isto está em um conflito armado.

A guerra, violações de direitos humanos e perseguição política são corriqueiras em Cabinda. Estas fazem as pessoas se refugiarem para exterior. Um terço dos cabindenses vivem como refugiados na República Democrática de Congo. Uma parte dos refugiados requer proteção internacional até na Finlândia. Segundo os dados do Departamento de Migração da Finlândia, houve 43 requerentes de asilo político angolanos no país no ano passado. Parte destes são menores de idade. A quantidade está aumentando o tempo todo. Muitos tem relatos e sinais de maus tratos e tortura. Os pais ou outros membros da família estão desaparecidos ou mortos.

”Temos prestado atenção às violações de direitos humanos perpetrados pelo Governo Angolano em Cabinda a partir de 2003-2004, conta Peter Takirambundde, o diretor da Seção pela África da Human Rights Watch. Segundo o último relatório anual desta organização de direitos humanos, a situação em Cabinda é alarmante. Já houve até o pedido de intervenção da Comissão de Direitos Humanos da Conselho Africano. Mesmo assim, o conflito praticamente não aparece na mídia.

Através do ”ataque do futebol” às manchetes

Há muitas guerras no mundo. Muitas destas são “esquecidas”, pois não são tratadas pela mídia. Porém, algumas destas podem passar a ter o interesse dela. Na Yemen, por exemplo, tem querra já por décadas, mas somente quando os Estados Unidos concentrou a sua atenção ao país devido à Al Qaida, é que o conflito começou receber atenção internacional.

O ônibus da seleção de Togo, que estava a caminho da Copa Africana, foi atacado com tiros em Cabinda, Angola no início deste ano. O ataque foi anunciado ter cometido pela facção armada da FLEC, Frente de Libertação do Enclave de Cabinda. Só neste momento é que o movimento separatista entrou nas manchetes do mundo. Porém, a guerra é travada desde 1975.

”A nossa intenção não foi atirar no ônibus da seleção de Togo, mas sim, guardas fronteiras do Governo de Angola”, disse Rodrigues Mingas, o Secretário Geral do braço armado da FLEC para o jornal inglês The Guardian. As mídias do mundo falaram em um “brilhante campanha de publicidade”.

Na Finlândia, a situação dos refugiados de Cabinda só teve atenção na ocasião da decisão de deportação de ”Arlindo” (nome mudado) no ano passado. ”A decisão de deportação fez surgir um movimento contrária à est, da qual fazem parte organizações juvenis de esquerda e do Partido Verde, disse a Katja Tuominen, diretora da ONG Vapaa liikuvuus (livre movimento) para revista Fifi.fi. ”Ao nosso ver a decisão foi feita por princípios errados. Se Arlindo retornar a Angola, ele vai ser morto”, ela disse. No caso do Arlindo, a mídia finlandesa só se relatou o caso de um indivíduo e não esclaresceu o que havia por trás da vinda de refugiados angolanos ao país. Ao mesmo tempo a discussão sobre a migração e refugiados está acirrada na internet e jornais e até uma ministra finlandesa foi ameaçada de morte por racistas e oponentes à vinda de refugiados ao país.

Rebelião por petróleo

Cabinda é situada na costa do Atlântico, nas fronteiras da República de Congo e República Democrática de Congo, no lado norte do Rio Kongo. Está separada de Angola, o que desta província um enclave. Os cabindenses fazem parte do grupo étnico de Bakongo, que se subidivide nos tribos woyo-, vili-, ndingi-, yombe- e sundi. A língua é kikongo, ou seja, diferentes dialetos da língua kongoense, além da língua dominante portuguesa e francesa. Através da fusão de português e kikongo surgiu uma linguagem simples, chamada ibinda ou fiote. Esta é uma das razões para desejo de independência. Os cabindenses se consideram diferentes em relação ao resto de Angola. A província tem também muitas riquezas naturais. Cabinda produz 700.000-900.000 barris de petróleo por dia, o que é 70% da produção petrolífera de Angola. Por isto, Cabinda é chamada de Kuwait da África. ”A província quer administrar a produção do petróleo por si mesma, por que agora o lucro desta não fica em Cabinda, mas sim, é destinado para outros lugares pelo governo angolano”, diz um requerente de asilo em Helsinki.

Muitos dos conflitos da África são relacionados com riquezas naturais. As empresas de petróleo multinacionais estão envolvidos também no caso de Cabinda. Estas tem apoiado o governo angolano, mas agora desejam que se alcance paz na região, conta Global Security.org no seu site.

O Partido FLEC tem lutado pela independência de Cabinda. Porém, esta entrou em controvérsias internas e se fragmentou em vários movimentos que disputam entre si. Os movimentos declararam independência de Cabinda em Paris, onde possuem representações. Porém, o Fórum pelo Diálogo de Cabinda, liderado pelo vice presidente e Secretário Geral da FLEC Renovada, Antônio Bento Bembe quer estabelecer um pacto de paz, se Cabinda conseguir autonomia. ”Outros não aceitam negociações pela paz, mas querem a independência completa”, disse N’zita Enrique Tiago, o presidente da FLEC-FAC para o canal France24-TV-kanavalle em 2006. Os guerrilheiros separatistas da FLEC-FAC atacam contra objetivos do governo e exército angolano sob a liderança de Estanislau Miguel Boma. Entre outras ações, seqüestram funcionários das companhias petrolíferas.

O governo angolano, liderado pela MPLA, não aceita o movimento separatista de Cabinda e a conseqüente perda de recursos do petróleo. O ex-movimento de libertação luta contra um movimento pela libertação. O exército angolano está tentando sufocar a rebelião com 30.000 soldados. Conforme um refugiado ”mais conflitos ocorrem na região de Kivolo-Liveti entre as cidades de Buco Zau e Belize” na Cabinda Central. Ao mesmo tempo membros de FLEC e ativistas de direitos humanos são perseguidos, presos e assassinados em outros lugares na província.

”Lutamos pela independência do nosso país. Cabinda não é Angola. Os portuguêses se enganaram ao anexá-la à Angola. O nosso povo vive na miséria e as nossas riquezas resvalam às mãos dos outros. Sofremos, mas através da luta podemos conseguir a independência. Assim, o povo de Cabinda poderá ter bem-estar também”, sonha um refugiado.

(Box): Angola: palco da guerra fria

Os países africanos se tornaram independentes nas décadas de 1960 a 1980. Porém, muitos destes caíram em guerras civis sangrentas. A áfrica independente foi o palco da guerra fria. Os Estados Unidos e os governos racistas de minorias brancas da África do Sul e Rodésia financiaram movimentos guerrilheiros de direita, que se rebelaram contra os governos negros de orientação esquerda, representados pelos movimentos de libertação e apoiados pela União Soviética e Cuba. Os comerciantes de armas esfregaram as mãos de satisfação. Angola, ex-colônia de Portugal, foi um típico exemplo disto. A UNITA e a MPLA (Movimento pela Libertação de Angola) travaram uma sangrenta guerra civil por décadas. Esta arruinou o país e matou e invalidou milhões de pessoas. Um terço da população de 13 mihões estava no exílio. A Finlândia também recebeu refugiados de Angola. Quando o socialismo entrou em colapso e a guerra fria terminou, a Angola também obteve paz, mas só em 2002. Começou a reconstrução e o retorno dos exilados ao país. A volta dos refugiados angolanos é uma das maiores operações humanitárias da organização de assistência aos refugiados da ONU. Porém, por causa da situação de Cabinda, o exílio está ainda em andamento.

Toni Eerola

O autor é tradutor juramentado finlandês-português-finlandês, atuando como intérprete nas questões relacionadas com os refugiados angolanos na Finlândia

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